A FIDELIDADE DO SENHOR
PARTE II
Mudei outra vez de
escola e fui estudar junto com meus dois irmãos, em uma escolinha particular chamada
Educandário Luiz Alves Siqueira, de lá saí para entrar outra vez, na rede
estadual de ensino, indo para o Colégio Estadual José Pinheiro no bairro do
mesmo nome, ali cursei a quinta serie sendo reprovado pela segunda vez na minha
história, Eu havia me tornado um adolescente rebelde e as brigas com meu padrasto se tornavam cada vez mais
frequentes e perigosas, o desrespeito - por minha parte - aumentava na mesma
medida a desobediência também crescia.
Um belo dia, minha mãe
recebeu de surpresa em casa, a visita de um irmão - ele era Coronel reformado
dos Fuzileiros Navais - que ela não chegara a conhecer, pois quando ela nasceu
ele morava em outra cidade e logo em seguida foi convocado pra a II guerra
mundial no ano de mil novecentos e trinta e nove, ficando longe por quarenta
anos, este tio ficou hospedado em nossa casa por um mês ou mais, ele era um
cara muito legal, quando retornou para o Rio, nós fomos levá-lo na rodoviária
de Campina Grande, ele embarcou às nove horas da manhã, me lembro exatamente
por causa do que aprontei em seguida: encontrei com um primo distante de
terceiro grau e peguei com ele uma bicicleta emprestada que nem dele era, de
posse da bicicleta fui seguindo a rota do ônibus que meu tio havia pego, fui
parar no sitio da minha tia, aquela que me criou, que ficava a quase três horas
- de bicicleta - de distância de Campina Grande, cheguei lá por volta das treze
horas, minha tia se espantou ao me ver chegando ali sozinho e ainda mais de
bicicleta, ela perguntou se minha mãe sabia e eu disse que sim, mas não era
verdade; ela desconfiada pediu para seu marido ir até Campina Grande para falar
com minha mãe que estava desesperada à minha procura, lá depois de conversarem,
decidiram que eu iria passa o resto do mês lá no sitio, foi bom pra mim porque
amansou a raiva da minha mãe, que não me bateu na minha volta.
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Uma outra ocasião, era o
ano mil novecentos e setenta e quatro, depois de mais uma, dentre tantas brigas
com meu padrasto, saí e fiquei o dia inteiro fora de casa, havia uma festa de
final de ano na cidade, um destes parquinhos de interior com roda-gigante,
carrossel, jogos e brincadeiras variadas e eu passei todo o dia ali, junto com
aquele primo que havia me emprestado a bicicleta da aventura anterior, durante
o dia aconteceu um grave acidente, uma destas garrafas de gás hélio, explodiu
em meio a festa matando muita gente, o relato que se segue foi extraído do blog
"Retalhos Históricos de Campina Grande":
'Era uma bela tarde no animado bairro de Zé Pinheiro. Todavia, o dia 25
de dezembro de 1974 entrou para os anais da história campinense, como o dia da
maior tragédia da cidade. Em virtude da explosão de um garrafão de oxigênio,
que era utilizado para encher balões infantis. Campina Grande tornou-se
manchete em todo o Brasil devido às várias mortes ocorridas naquele dia, além
das centenas de pessoas feridas. Tudo isso ocorreu, em virtude do descuido de
um garrafeiro que enchia balões durante a festa, quando imprimiu uma alta
pressão na recarga do cilindro, provocando o rompimento do mesmo em vários
pedaços. Com a explosão do artefato, vários pedaços de seres humanos foram
arremessados em casas e na Igreja de José Pinheiro. Durante dias, o mau cheiro
foi predominante naquele local, chegando a ser comum, pessoas encontrarem nos
tetos de suas casas, restos de gente'.
Eu estava em uma rua
paralela e sequer ouvi o barulho da explosão, só percebi que havia algo errado
quando ouvi as sirenes das ambulâncias e dos bombeiros, decidi então depois de
um tempo ir para casa, quando cheguei encontrei minha mãe desesperada, já havia
me procurado até em necrotérios, outra vez por causa do susto, não tomei uma
surra.
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Dali fomos morar pela
segunda vez em um sitio chamado Shangri-lá que
pertencia a um médico oftalmologista, amigo do meu padrasto, neste sitio presenciei
a única vez que ele agrediu em minha mãe, ele estava bêbado e deu um tapa
no rosto dela, quando vi aquilo parti pra cima dele com um pedaço (trave) de madeira usado para travar as
janelas, mas graças a Deus ele era mais forte que eu, e mesmo bêbado tomou de
mim aquele pedaço de madeira, este dia foi terrível e chocante para minha mãe e
também para mim.
Este sítio ficava fora
da cidade uns sete quilômetros, (uma légua) certa ocasião eu perdi o ônibus
para a escola, então fui a pé - já era tardinha quase noite, - percorrendo
estes sete quilômetros, que aventura!
Naquela noite resolvi voltar da mesma forma, e pelo
mesmo caminho a pé, mas ao chegar em um lugar conhecido como onze cruzes, estanquei; congelei de
medo; diziam que ali era mal assombrado e apareciam espíritos das pessoas
(onze) que haviam morrido num acidente de automóvel ali, e dormi na rua do lado
de fora de um posto de fiscalização da policia rodoviária federal, se havia uma
coisa de que eu tinha medo era fantasmas, como se eles existissem!
Outra vez fui com o
pessoal do ônibus que nos transportava para a escola, a uma cidade vizinha
chamada Puxinanã, para ver o na época famoso, e hoje já falecido, Frei Damião,
um Frei Franciscano que peregrinava pelo nordeste pregando a fé católica,
acabei dormindo no ônibus mesmo, chegando em casa pela manhã, isto sem avisar
minha mãe, "naquela época não havia
telefone celular!!!", depois de muitos anos descobri que este Frei era
um ferrenho perseguidor da fé evangélica ou protestante,
tinha-nos como hereges. Mas isto é outra história.
Esta mudança para tão longe - Shangri-lá - de certa forma contribuiu
para que eu desanimasse de vez com os estudos. Com minha rebeldia decidi, sem
perguntar a ninguém que não iria mais estudar. Minha mãe disse que eu com toda
“autoridade”, afirmei:
- “mesmo que a escola fique na porta de casa, que só precise atravessar a
rua, eu não vou mais estudar e pronto”.
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Um acontecimento triste
desta época tenho guardado na lembrança; certa vez queria ir para uma
festa, um forró, em um lugar chamado Cuités - não sei se era um bairro
ou um distrito de Campina Grande - com outro três conhecidos, minha mãe não me
deixava ir, mas eu queria ir, então decidi
ir assim mesmo, pra minha surpresa quando eu estava no caminho com os tais
conhecidos, minha mãe foi ao meu encontro, e me trouxe pela mão, me recordo que
ela apertava muito a minha mão, eu tentando me soltar mas era impossível pois
ela era bem mais forte do que eu, no dia seguinte acordamos com uma trágica
notícia correndo, um daqueles três que eram primos entre si, havia sido
assassinado com vinte e três facadas pelos outros dois e mais um camarada que
havia se juntado ao grupo, este outro camarada era o vaqueiro do sitio onde
morávamos, minha mãe olhou fixa e firmemente nos meus olhos, como quem diz:
“viu do que você se livrou” eu compreendi do que havia sido salvo, de novo Deus
me preservou a vida.
Nesta época uma tia que já
morava no Rio de Janeiro, foi nos visitar, era janeiro de mil novecentos e
oitenta, esta tia tomou conhecimento de minha rebeldia e das brigas que eram
cada vez mais frequentes com meu padrasto, e na tentativa de ajudar propôs que
minha mãe autoriza-se a minha ida com ela para o Rio de Janeiro, minha mãe já
havia ameaçado que, se eu fosse outra vez reprovado na escola seria este o meu
destino, esta foi a frase chave para que eu abandona-se de vez a ideia de
estudar, tudo que eu queria era a minha “liberdade”
afinal de contas na minha visão, eu era muito preso, não podia nada ou quase
nada. Assim aconteceu que viajei para o Rio de Janeiro com minha tia e sua
nora, era fevereiro de mil novecentos e oitenta. Nesta mesma ocasião minha
família mudou- se do sitio Shangri-lá
onde estávamos morando, para morar de novo na cidade desta vez na Rua Santo
Antônio, em uma casa que era da nora da minha tia. Nesta casa não cheguei a
morar.
Fizemos uma loooonga
viagem...
Enfim cheguei ao Rio de Janeiro, o lugar que tanto
esperei e desejei conhecer e morar. Depois de quatro dias de viagem - devido as
chuvas da época - enfim cheguei à Rua
Antônio Pinto, rua para qual tantas vezes escrevia as cartas de minha mãe,
nesta rua moravam quase todos os meus parentes, e eu podia estar com todos em todo o tempo. Confesso que ao ver o lugar senti
uma pequena decepção, pois o lugar era feio, a rua era de terra, e havia muitas
e fedorentas valas negras, muito terreno baldio e muita gente pobre, totalmente
diferente de tudo que se imagina fora do Rio, pois o que se conhece do
Rio é o que se vê na televisão, e na tela parece tudo lindo e perfeito. Mas
tudo bem afinal de contas eu agora estava no RIO DE JANEIRO. Era fevereiro, mês
de carnaval e se não me engano naquele ano a Beija Flor de Nilópolis foi a
vice-campeã. Não que isto seja de todo importante, mas apenas nos para situar no
tempo. Durante algum pouco tempo me
atrevi a não trabalhar em nada, nem estudar, mas, depois de algum tempo vieram
as cobranças, e meu tio, marido
da minha tia, me arranjou um emprego numa serraria onde trabalhava, lá eu fui
trabalhar lixando molduras de madeira, para ganhar uma pequena comissão, o que
logo me desanimou.
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